quarta-feira, 1 de abril de 2009

Executivo ou sacerdote? O que é melhor?

O executivo eficaz não deve ter vocação sacerdotal. Veja artigo de consultor que faz provocações sobre os tipos de lideranças existentes dentro de uma organização.

O fato da realidade é que o livro “O Monge e o Executivo”, classificado na revista Veja na categoria de auto-ajuda e esoterismo, ocupa por mais de três ou até quatro anos consecutivos a relação dos mais vendidos.

Impressiona-me a quantidade de pessoas com quem convivo nos eventos que coordeno sobre “Gestão de Pessoas e Liderança”, que mencionam os conceitos transmitidos pelo seu autor James Hunter.

O dado da realidade comprova que realmente além de continuar relacionado entre os mais vendidos, as lições têm trazido grandes repercussões e impactos nos profissionais das empresas brasileiras. No entanto, sinto-me extremamente constrangido e consternado com as ilações e interpretações que a grande maioria dos leitores fazem dos ensinamentos transmitidas nas 139 páginas deste livro.

Já ouvi, ninguém me contou, afirmações que induzem nivelar as responsabilidades do verdadeiro líder com as de um sacerdote, monge, bispo ou assemelhado.

Prestando muito cuidado, atenção e zelo com o conteúdo e o tom de minhas palavras, para não desrespeitar ou ofender os valores privilegiados pelos alunos, não devo me furtar o direito de fazer algumas observações sobre a realidade objetiva e concreta do nosso dia-a-dia.

Faço as seguintes explicações:

• As diferenças entre executivo e sacerdote não existem apenas no plano conceitual/teórico, mas notadamente nas concepções, princípios, valores e, principalmente, nas motivações.

• Um dos principais compromissos das instituições religiosas e seus líderes são com a vida depois da morte.

• Um dos principais compromissos das empresas e de seus executivos são com resultados positivos (lucro) enquanto vivos e, simultaneamente, desenvolver o talento das pessoas que lideram, criando um ambiente de trabalho descontraído, alegre e produtivo.

• As atribuições de um verdadeiro líder gestor de pessoa parecem ser incompatíveis com a de um sacerdote.

• Os objetivos sacerdotais são o pregar e catequizar as “verdades inquestionáveis”, contidas na Torá (Livro sagrado da Lei. A tábua eterna do Sinai, pergaminho imenso e venerável) no Corão ou na Bíblia.

• Os verdadeiros líderes têm dúvidas suficientes para questionar, desafiar, colocar em cheque e testar novas idéias e posições (Warren Bennis).

• O tempo para o sacerdote é elástico, pois suas missões não têm necessariamente prazo nem custo para serem cumpridas.

• O dinheiro é arrecadado de seus devotos, praticantes e crentes.

• O tempo para o executivo é inelástico, é de reposição impossível, pois suas missões têm sempre prazos e custos envolvidos.

• O dinheiro das empresas é captado através dos acionistas que precisam ter retorno, pois se trata de uma responsabilidade social, que é a única maneira de promover o desenvolvimento da sociedade, gerando novos empregos na busca incessante de diminuir a miséria gerando riqueza e bem estar social ao mesmo tempo.

• Para as principais religiões o “sofrimento” é purificador. Exemplo: “Chorai e gemei neste vale de lágrimas, porque o vosso reino será dos céus”, não é o que pregam?

• Hoje as empresas estão investindo muito dinheiro com pesquisas de clima organizacional para garantir a criação de uma cultura em que seus colaboradores não “sofram” com comportamentos inadequados e autoritários de seus lideres.

• Os executivos estão cada vez mais buscando a diversidade de opiniões, valorizando as diferenças e não as semelhanças.

• Os sacerdotes convivem com o silêncio e a obediência de seus seguidores.

• A única resposta que os verdadeiros líderes devem se negar a receber de seus colaboradores é o silencio, não a divergência. (Warren Bennis).

Obediência não, disciplina sempre

Obediente, segundo Aurélio, significa: submisso, vassalo, dócil e humilde. Dócil e humilde, quando apresentados como sinônimos de submisso e vassalo, adquire significado diferente. É extremamente agradável e gratificante conviver com pessoas dóceis e humildes, ao contrário de agressivas e arrogantes. Submissão e obediência significam aceitar, passivamente, verdades inquestionáveis.

Confesso ter enorme dificuldade em aceitar repartir o mundo entre as pessoas com base em princípios que exigem obediência. A visão maniqueísta do mundo não deve existir na realidade das organizações de sucesso. A “tirania do ou”, (viva a “genialidade do e”), conforme consta nas páginas 74, 75 e 76 do livro “Feitas para durar”, de James Collins e Jerry Porras. Eles comprovam cientificamente esta minha afirmação.

Se você, como gestor e líder de pessoas, estiver em busca apenas da obediência, recomendo que mude de profissão, pois ainda a tempo suficiente para se tornar um Sacerdote. Há uma enorme diferença entre pessoas “obedientes” e “disciplinadas”. Defendo e admiro, ardorosamente, os disciplinados e desobedientes / questionadores, jamais os indisciplinados e obedientes / vassalos.

Os simplesmente obedientes merecem minha indiferença, que é um sentimento difícil de brotar no meu coração, mas não posso negar que sinto.

Indivíduos que cumprem ordens sem saber porque as estão cumprindo são absolutamente dependentes não merecendo, no meu entender, estar na folha de pagamento da sua empresa. Nem mesmo o líder deles. Nos momentos de crise, que nunca na história da humanidade foram eternas e permanentes, podemos admitir a “obediência consciente”, lúcida, em benefício do bem comum.

Quem é excessivamente obediente, sempre faz tudo sem saber o que está fazendo. São verdadeiros “paus mandados”, na maioria das vezes adoradas e idolatrados pelos seus “chefetes”, não líderes, pois não lhe estimulam o pensamento divergente na busca de sufocar qualquer situação de conflito, que, no meu entendimento, é algo inerente na vida de qualquer ser vivo e em crescimento.

Questionamento final: qual é, no fundo mesmo, a sua vocação: executivo ou sacerdote?

Danuza Leão, em seu artigo na Folha de S.Paulo de 15 de março de 2009, afirma que “não se incomodaria nem um pouco se fosse excomungada”. Pegando carona nesta frase eu também “não me incomodaria nem um pouco se fosse exonerado de uma organização que tivesse valores determinísticos e prescritivos na gestão de pessoas”.

Aliás, solicitaria demissão antes que isto viesse acontecer, mesmo com toda crise por que estamos passando.



Por João Alfredo Biscaia (Consultor Sênior do Instituto MVC. Website: www.institutomvc.com.br)
HSM Online
31/03/2009

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