sexta-feira, 3 de julho de 2009

Cada vez mais vigiado, Google diz que não é tão grande

Miguel Helft

O Google responde por cerca de dois terços do total de buscas realizadas na internet. Controla o maior dos sites de vídeo, o YouTube, cuja popularidade supera em mais de 10 vezes a de seu concorrente mais próximo. E, no ano passado, a empresa faturou quase US$ 22 bilhões com publicidade, valor superior ao de qualquer outra empresa mundial no ramo da mídia. Dadas todas essas riquezas, e muitas outras, como é que se pode considerar o Google uma empresa relativamente pequena, vulnerável à competição e sujeita a viradas radicais de destino a qualquer momento? Dana Wagner não demora em oferecer sua explicação.

Wagner, que é diretor jurídico do Google para assuntos de concorrência, enfrenta a hercúlea tarefa de convencer o mundo de que a empresa para a qual trabalha está longe de ocupar posição inabalável. "A concorrência está a apenas um clique de distância", alega Wagner.

A frase é parte de um discurso de campanha que ele já pronunciou no Vale do Silício, em Nova York e em Washington, repetindo a mesma ladainha nos últimos meses diante de jornalistas, estudiosos de questões jurídicas assessores do Congresso, organizações setoriais e qualquer outra pessoa ou órgão que possa influenciar a opinião pública com relação ao Google. "Participamos de um setor que está sempre sujeito a perturbações, e não podemos considerar nada como permanente ou garantido", ele afirma.

O Google iniciou essa ofensiva de relações públicas porque está em meio a um traiçoeiro rito de passagem que as empresas de tecnologia poderosas sempre precisam enfrentar: as autoridades regulatórias agora observam com atenção todos os seus movimentos, como fizeram no passado com companhias como a AT&T, IBM, Intel e Microsoft. Alguns analistas afirmam que a oposição do governo, nos Estados Unidos ou na Europa, pode representar maior ameaça ao sucesso continuado do Google do que as ações de qualquer concorrente empresarial.

O Departamento da Justiça dos Estados Unidos torpedeou uma importante parceria que deveria ter entrado em vigor entre o Google e o Yahoo, em novembro, devido a preocupações de que ela poderia cimentar o domínio do Google sobre o mercado e restringir a competição. O departamento também está examinando as práticas de contratação do Google e de outras empresas de tecnologia, e investigando o acordo extrajudicial que pôs fim a um processo judicial coletivo entre o Google e organizações que representam escritores e editoras norte-americanos. A Comissão Federal do Comércio está avaliando as conexões que existem entre os integrantes dos conselhos do Google e da Apple.

Nenhuma dessas investigações têm por alvo a publicidade, que serve como núcleo das operações do Google. E ao contrário de alguns gigantes da tecnologia no passado, o Google até agora não foi acusado de utilizar táticas prejudiciais aos concorrentes. Mas as investigações e as queixas dos competidores e críticos forçam a empresa a se esforçar para negar a ideia de que tem o mercado sob controle, ainda que sua parcela das transações de publicidade vinculada a buscas não pare de crescer.

Muita gente não se conforma, especialmente diante da alegação de que o Google é uma empresa relativamente pequena em um mercado gigantesco. "Eles descrevem a situação que vivem no mercado com uma espécie de aura de conto de fadas que não reflete o domínio que exercem sobre setores chave", disse Jeff Chester, diretor executivo do Centro pela Democracia Digital. "As buscas do Google são um instrumento de publicidade obrigatório para todos os anunciantes do mundo".

A Microsoft prefere não comentar sobre os esforços de seu maior rival. Mas durante uma apresentação de Wagner a jornalistas, em San Francisco, no mês passado, representantes do departamento de relações públicas da Microsoft, que conheciam com antecedência o conteúdo da fala de Wagner, estavam enviando e-mails a repórteres nos quais refutavam alguns dos principais argumentos do palestrante, que teve de responder a uma série de perguntas rabugentas.

A preocupação do mercado quanto ao poder que o Google veio a adquirir não é novidade. Mas alguns especialistas afirmam que a sequência de manchetes sobre investigações antitruste pode macular a imagem do Google junto aos consumidores, que em geral ainda consideram a empresa, e sua lista crescente de serviços online gratuitos e inovadores, de maneira positiva.

"Nenhuma empresa, quer se trate do Google, da Microsoft ou de qualquer outra companhia, deseja ser retratada de maneira negativa", disse David Yoffie, professor na escola de administração de empresas da Universidade Harvard. "O Google está absolutamente certo em estar preocupado, preparado, até mesmo paranóico, e em reagir da maneira devida".

Kent Walker, o vice-presidente do Google para assuntos jurídicos, disse que a empresa já esperava que seu sucesso resultasse em maior atenção à maneira pela qual opera. "O objetivo de nossas apresentações não é encantar as pessoas, mas basicamente explicar como funcionam os nossos negócios", disse. "Acreditamos que temos uma história forte a contar".

A tarefa de contar essa história terminou atribuída em larga medida a Wagner, 33, um homem de aparência juvenil cuja experiência anterior de trabalho foi como advogado na divisão antitruste do Departamento da Justiça. Ele não hesita em utilizar termos como "esquisito" e "bizarro", acompanhados por um sorriso desajeitado, ao discutir questões jurídicas e econômicas complexas. Ao contrário do que acontecia uma década atrás quando das investigações sobre a Microsoft, cujos executivos mal conseguiam ocultar seu desdém pelas autoridades regulatórias, Wagner fala em tom deferente sobre os seus antigos colegas no Departamento da Justiça.

"Eles certamente estão preocupados em fazer o melhor pelos usuários, pelos consumidores", afirma. "Minha empresa também está preocupada em fazer o melhor pelos usuários e consumidores".

O trabalho de Wagner não vem sendo fácil. Os slides que utiliza em sua apresentação estão em circulação há tanto tempo que a Consumer Watchdog, uma organização de defesa do consumidor que critica o Google, já postou em seu site uma versão anotada do material, na qual contesta praticamente todas as alegações do Google.

Por exemplo, em um slide que menciona elogios de um grupo de pressão a algumas das práticas do Google para proteger a privacidade dos usuários, a organização menciona quatro outros grupos que criticam a empresa pelo volume imenso de informações que recolhe quanto aos consumidores.

Wagner, para surpresa de ninguém, contesta essa interpretação do Google como um monopólio inabalável; A empresa obteve a posição de mercado de que desfruta ao oferecer produtos superiores, e poderia perdê-la rapidamente caso deixe de apresentar inovações, ele afirma. E ao contrário de empresas que dominaram eras passadas da computação, o Google facilita para os usuários a substituição de seus serviços pelos de rivais.

Um argumento central na posição defendida por Wagner é o de que o Google é uma empresa relativamente pequena operando em um mercado imenso, no qual seus concorrentes não apenas outros serviços de busca ou nem mesmo outros sites. O Google diz que disputa usuários contra sites tão distintos quanto a Amazon.com, webMD e Wikipédia, e verbas publicitárias com veículos como a televisão, rádio, mídia impressa, publicidade de rua e em embalagens de produtos.

Gregory Rosston, economista da Universidade Stanford que já assistiu a uma apresentação de Wagner, afirma que outras companhias que enfrentavam dificuldades junto às autoridades antitruste já haviam recorrido sem sucesso ao mesmo tipo de argumento.

"Quando empresas tentaram argumentar que a televisão, os jornais e os outdoors são parte do mesmo mercado publicitário que o rádio, por exemplo, o Departamento da Justiça e os tribunais não se deixaram convencer", afirma Rosston. "Isso posto, a internet realmente mudou as coisas, e pode ser que eles consigam defender esse argumento, agora".

O fato de que as dificuldades entre o Google e o governo tenham surgido nos últimos meses surpreendeu alguns analistas, porque a empresa e seus executivos são vistos como próximos ao governo do presidente Barack Obama.

Eric Schmidt, o presidente-executivo do Google, fez campanha por Obama, foi assessor da equipe de transição presidencial e hoje integra o conselho de consultoria sobre ciência e tecnologia da Casa Branca. Alguns antigos funcionários do Google conseguiram cargos importantes no novo governo.

Mas esses relacionamentos não parecem ter ajudado o Google com as autoridades regulatórias, ou ao menos não até agora. No entanto, oferecem nova causa de preocupação para os críticos do Google, que temem que a empresa venha a conquistar influência indevida sobre áreas estratégicas importantes, como a regulamentação da privacidade online.

Wagner afirma que alguns dos rivais de sua companhia, a exemplo da Microsoft e da AT&T, são não apenas muito maiores que o Google mas também gastam muito mais dinheiro em lobbies do que é o caso de sua companhia.

Embora o setor seja volátil e competitivo, Wagner afirma que se sente gratificado pelo sucesso que o Google conquistou. "Sabemos que há muita gente que utiliza nossos serviços para realizar buscas, e isso nos causa muito orgulho", diz. "Não estamos pedindo caridade".

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times

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